O autista não-verbal Heitor Pereira Nuernberg lança o livro infantojuvenil “O lobo bom e a Chapeuzinho Vermelho”, pela Editora Insular, na próxima quarta, 21 de dezembro, na Casa da Literatura Catarinense Poeta Cruz e Sousa. O texto tem um conteúdo envolvente e convida a uma reflexão sobre a relação entre a natureza e todos os seres que nela habitam. Ao mesmo tempo que trabalha com personagens clássicos da literatura infantil, Heitor traz para o livro temas contemporâneos como o respeito ao meio ambiente, à sabedoria dos povos originários e à diversidade dos seres vivos.
Estar num mundo que não o entende. Que o subestima. Ouvir todos falando, sem poder responder, sem poder dizer “Eu entendo vocês, falem COMIGO”. Viver cercado de pessoas e se sentir isolado, com uma única forma de se comunicar: por meio de músicas. Ser uma criança cheia de coisas para contar, com uma imaginação ímpar, uma crença inabalável no amor e na igualdade entre os seres humanos, mas não conseguir ter voz. Até 2020, esse é um breve resumo da vida de Heitor Pereira Nuernberg. Diagnosticado autista aos dois anos e, atualmente, com 11, Heitor é um menino como todos os outros: curioso, inteligente, que gosta de estar na companhia de quem ama, adora livros (que consome na forma de audiolivros) e ama ter um tablet na mão. Sempre acompanhou a turma na escola e, hoje, participa com os colegas dos trabalhos de grupo.
Em 2017, a família passou a investir na digitação assistida, com suporte físico para a mão ou o braço. As dificuldades de coordenar os movimentos voluntários não o impediam só de falar: Heitor tinha – e ainda tem – muita dificuldade para conseguir realizar atividades básicas da sua vida. A orientação verbal e o suporte físico são necessários para muitas tarefas no seu cotidiano e estudar e digitar não são diferentes. Apesar de tantas dificuldades, a família percebia que ele entendia o que estava sendo dito e buscava se comunicar através de trechos de músicas e filmes, sempre “recortados” e apresentados adequadamente no contexto. Heitor expressava suas emoções e pensamentos pelas músicas a que tinha acesso, do repertório infantil à MPB. Seu amor e saudade, muitas vezes, eram expressos na voz de Marisa Monte: “Te espero para ver se você vem. Não te troco nessa vida por ninguém”; “Vou telefonar dizendo que estou quase morrendo de saudades de você. Eu te amo...”. Heitor também aprendeu a usar um sistema de comunicação por imagens, fazendo seus pedidos por meio de figuras – o que queria comer, aonde queria ir, de quem sentia saudades, que música gostaria que cantassem para ele. A linguagem aumentativa e alternativa permitiu ampliar enormemente a comunicação com a família e as pessoas próximas.
Com a pandemia e a possibilidade de acompanhar Heitor em suas tarefas escolares – e com a permissão da escola de que os trabalhos pudessem ser digitados -, a mãe – Renata - foi surpreendida. “Nunca vou esquecer a primeira vez que o vi responder a uma pergunta da tarefa sem a minha ajuda. Era uma tarefa sobre a história de Florianópolis e ele, acertadamente, digitou o nome do povo originário da nossa região – carijó. Foi um momento de muita alegria e, a partir de então, ele foi avançando a passos largos”, conta. Heitor passou a escrever textos curtos, responder perguntas sobre si mesmo e sua opinião sobre diversos assuntos. “Eu passei a me sentir visto e presente. Até então, eu me sentia invisível e muitas vezes desrespeitado. Eu sabia tantas coisas e não conseguia dizer. Eu agradeço a minha família que sempre acreditou em mim a despeito de tanta descrença na minha condição.”
Mas, não foi só a percepção de que ele sabia ler e escrever que surpreendeu a família e os amigos: a linguagem de Heitor era complexa, profunda e cheia de nuances, comparável a escritores adultos. Com o passar do tempo, os textos foram crescendo e variando em estilo. Redações opinativas, contos, histórias adaptadas. “Os textos de Heitor não são apenas uma forma de comunicação. Podem ser vistos como histórias para crianças, mas levam os adultos a pensarem sobre si mesmos, especialmente no que diz respeito ao próximo e ao meio ambiente”, diz a mãe. “Eu amo escrever. Escrever é parte de mim. Estar no mundo faz sentido quando digo o que penso. Não há vida que valha à pena quando não se pode ser quem se é, relata o garoto.”
Em 2021, ao perceber qualidade literária em uma resposta para a tarefa de Geografia, Renata questionou se Heitor gostaria de participar de um concurso de literatura. Após seu aceite, o inscreveu no 17º Concurso Literário Jornalista Valacir Cremonese. O texto “A criança diferente no mundo de iguais” conquistou o segundo lugar, na categoria infantil. Ao divulgar as produções de Heitor entre amigas e familiares, ficou claro que havia potencial para publicação. A família e Heitor escolheram um reconto da Chapeuzinho Vermelho e o Lobo Mau, solicitado em uma tarefa de Língua Portuguesa, para a obra de estreia do jovem escritor. E, quando falamos de estreia, é porque esse é mesmo o objetivo de Heitor. “Eu sonho em viver da minha escrita. O futuro passou a ser considerado algo desejável quando me senti reconhecido e admirado por algo que amo fazer.”
As ilustrações que ajudaram a dar vida às personagens marcantes da história são de Guilherme F. Grad – Tela - pai atípico e amigo da família de Heitor. O livro tem apresentações das professoras Cyntia Valente e Caroline Machado.
Serviço:
O que: Lançamento do livro O lobo bom e a Chapeuzinho Vermelho
Quando: Dia 21 de dezembro, às 16h
Onde: Casa da Literatura Catarinense Poeta Cruz e Sousa (Praça XV de Novembro, 270 – Centro – Florianópolis)
O livro está disponível para vendas no Mercado Livre: Livro O Lobo Bom E A Chapeuzinho Vermelho | MercadoLivre e via contato pelo Instagram: Renata Susan Pereira (@heitor_nuernberg)