Conta a história que, com o objetivo de guardar a memória política do Estado, o então governador de Santa Catarina Antonio Carlos Konder Reis criou o Museu Histórico de Santa Catarina em 4 de outubro de 1978. A abertura ocorreu somente no ano seguinte, no primeiro endereço, a Casa da Alfândega, em 2 de março de 1979. Na semana em que comemora 41 anos de sua criação , o MHSC é relembrado por dois de seus colaboradores, Shirlei Regina Lopes Farias e José Alfredo Beirão Filho, que nos ajudam a recontar parte da memória deste espaço que guarda também as recordações dos tempos em que o Palácio Cruz e Sousa (ou Palácio Rosado, ou Palácio dos Despachos, alcunhas pelas quais a atual morada do MHSC era conhecida antes de 1986) era a sede do governo do Estado.
PRIMEIRA MORADA
Shirlei trabalhou por 35 anos no Museu Histórico de Santa Catarina. Aposentada há cinco anos, fez parte da equipe que abriu as portas pela primeira vez para o público, ainda na sede da Alfândega, onde fazia de tudo no início, do café, atendimento, recepção, até abrir as portas e organizar o espaço, passando pelo cuidado com a manutenção do acervo. Dos primeiros anos, lembra-se de que o Museu ocupava o andar superior da Casa da Alfândega, dividindo espaço com o Museu de Arte de Santa Catarina (MASC) que funcionou no térreo até 1983, quando se mudou para o atual endereço, no Centro Integrado de Cultura (CIC).
Naquela época, o público podia visitar o Museu Histórico somente no período vespertino, quando era possível apreciar as vitrines com o ainda tímido acervo disponível para exposição, composto de medalhas e placas condecorativas recebidas pelo governador Antonio Carlos Konder Reis, que volta e meia visitava o Museu. Outros objetos que faziam parte da coleção do MHSC nesta época são a caneta de pena usada na primeira Constituição de Santa Catarina, roubada do acervo alguns anos mais tarde, e o primeiro telefone instalado na Alfândega, sem funcionamento.
MUDANÇA PARA O PALÁCIO
Outro governador que aparecia às vezes para uma visita ao Museu Histórico era Esperidião Amin e, exatamente durante seu governo, em 1986, foi levada adiante a ideia de abrir as portas do Palácio do Governo ao público, curioso por conhecer o prédio por dentro, com a ocupação do espaço pelo Museu Histórico de Santa Catarina. Mesmo durante a mudança, o governador continuou despachando no espaço. “Ele trabalhava de meias, para preservar o piso, que dizia ser muito bonito e não podia ser danificado", relembra Shirlei.
A servidora também se lembra de que a mudança entre os dois endereços foi desgastante e envolveu uma grande equipe. Primeiro, os próprios servidores embalaram e transportaram o acervo da Alfândega para o museu "no braço", em muitos casos. Parte das peças foi levada a pé, num processo que levou bastante tempo, mas que ela não soube precisar o quanto. Além da mudança, as adaptações no prédio envolveram muitos profissionais de áreas diferentes trabalhando ao mesmo tempo. Enquanto uns cuidavam das cortinas, outros cuidavam da parte elétrica.
Foi um período tão cansativo que Shirlei chegou a desmaiar durante a mudança por causa do estresse. "Eu caí onde era a cozinha". A administradora na época, Jessy Cherem, mandou ela ficar em casa e Shirlei acabou nem participando da abertura, em 5 de dezembro de 1986, por ainda estar se recuperando.
De um público interessado em história, bastante curioso e questionador, composto de pessoas de outros estados e países, como o que frequentava o Museu nos tempos da Alfândega, o Palácio passou a atrair mais os locais, gente que queria entrar para ver como era por dentro o Palácio, palco de tantos momentos importantes para a política catarinense. "Quando nós abrimos as portas, tinha fila. “Um mês de fila", conta, acrescentando que, para atender todos, foi necessáro organizar as visitas em turmas. Algumas pessoas chegavam a tirar casquinhas da parede para levar de recordação e a equipe do museu tinha que intervir. Quando passou a curiosidade inicial pelo prédio, o foco dos visitantes mudou."Depois de eles conhecerem o palácio, eu senti que a outra geração já vinha para saber da história".
ACERVO AMPLIADO
Para ajudar a contar essa história, com a mudança para o Palácio, o Museu Histórico incorporou ao seu acervo parte do mobiliário que já estava no novo endereço, como o cofre, o mobiliário da sala de música, sala azul e sala nobre. O acervo atual foi montado por meio de doações também. Há, ainda, a galeria de quadros dos ex-governadores, que eram expostos no início da história do Museu no Palácio.
Do tempo em que chegou para integrar a equipe do Museu Histórico, entre 1987 e 1992, o arquiteto e professor José Alfredo Beirão Filho se lembra de que o acervo ainda se resumia às placas condecorativas do governador Konder Reis, à galeria dos ex-governadores, a uma réplica em ouro da Ponte Hercílio Luz, à pena usada para assinar a primeira Constituição do Estado e ao mobiliário herdado do Palácio.
Com acervo limitado e poucos recursos, a saída encontrada por Beirão e a equipe, chefiada pela então diretora Sônia Miguel, foi usar a criatividade. Partiram, então, para a diversificação das atividades do Museu, que se resumia até então à exposição do acervo. Desta época, também, é o início das visitas mediadas, que eram guiadas pelos próprios funcionários do Museu.
POPULARIZAÇÃO
"Tem muita gente que torce o nariz, mas nosso trabalho era trazer o pessoal para conhecer o museu, e isso foi muito bacana na época", defende Beirão. Mesmo sem muito dinheiro, a equipe de cerca de 12 pessoas do fim dos anos 1980 e início dos anos 1990 montava muitas exposições, como a que comemorou os 80 anos da imigração alemã; as também oito décadas da imigração japonesa; ou a que marcou os 100 anos da libertação dos escravos, em que montaram barracão de terreiro de candomblé no Museu e atraíram visitantes diferentes dos habituais ao espaço. Uma exposição de máscaras e fantasias de carnaval chegou a levar um ensaio de escola de samba para o jardim da instituição.
Dessa época de democratização do acesso e da programação do Museu, Shirlei lembra que a introdução dessas atividades novas também enfrentou resistência, inclusive da população mais antiga. "Tinha uma senhora que morava perto e dizia que estávamos acabando com o Museu". A nova forma de pensar o espaço da instituição mudou a relação da população com o Museu e o público que o frequentava. "Porque aí parou de ser só visitação. As pessoas vinham, sentavam no jardim, liam um livro, ouviam música", completa Shirlei.
Além das exposições temporárias, nesta época o Museu diversificou sua atuação, recebendo lançamento de livros, palestras, recitais, gravação de comerciais (normalmente no período noturno), entre outras atividades. É deste período, inclusive, a realização do Presépio Vivo, que por três anos (entre 1988 e 1990) recriou o cenário do nascimento de Jesus, em tamanho real e com todos os detalhes, nas dependências do MHSC. Beirão se lembra de que a entrada do circuito que o público percorria ficava na guarita, onde estava a reprodução real de um mercado árabe, com direito a cavalos, atores e mercadorias, tudo encenado. Na sequência, havia o quadro da anunciação à Virgem Maria, com atores interpretando o anjo Gabriel e Nossa Senhora. O circuito continuava no jardim lateral, onde foi montado um estábulo com animais de verdade, como bois, vacas e cavalos, além de Nossa Senhora, José e o Menino Jesus na cena clássica do nascimento de Cristo. Eram quatro dias de encenação, que ocorria sempre no período noturno, das 19h às 22h. "Havia uma fila imensa para entrar", relembra Beirão.
PORTÃO ABERTO
Outra iniciativa que contribuiu para a popularização do acesso ao MHSC, concordam Shirlei e Beirão, foi a abertura de um portão de acesso ao jardim pela Rua Trajano. "Eu me lembro que era meio que proibido entrar no Museu, porque os guardas assustavam. Causava um estranhamento entrar", diz Beirão. Ele acredita que a abetura, junto com as atividades variadas, ajudou a quebrar o gelo entre o público e o Palácio. "Foi uma democratização fantástica", pontua.
Mas a ideia não foi bem recebida por todos. Shirlei conta que a abertura do portão foi motivo de polêmica na época. "Eu achei a coisa mais linda do mundo, mas acho que teve cinco que acharam ótimo e 200 que não".
Apesar das reações contrárias, o fato é que o MHSC segue, ainda hoje, se adaptando às mudanças que o tempo impõe, sem, contudo, se afastar de sua nobre missão de ser o espaço de salvaguarda da memória política de Santa Catarina. As paredes do Palácio Cruz e Sousa contam muito do que já se passou na história catarinense, mas a instituição se mantém em sintonia com o presente para receber e atrair o público.